Boris
Fausto e a Revolução de 30
A
década de 30 é divisora de águas no Brasil. Podemos assistir claramente durante
o período a remodelação da economia frente às mudanças econômicas mundo afora e
o início da consolidação de uma frente econômica baseada na indústria, que traz
consigo a ascenção de um novo grupo social
que viria determinar, futuramente, os rumos econômicos de nosso país.
Entender, entretanto, a conjuntura que envolve uma mudança tão significativa
não é simples e nem poderia ser, pois deve-se associar a esta mudança uma
desconjuntura gradual das forças políticas e o embate historiográfico, que
tenta compreender e discutir quais elites ou grupos sociais realmente conseguem
exercer algum tipo de influência no Estado.
Sob este aspecto, o livro de Boris
Fausto traz uma nova vertente para a compreensão do período, pois promove uma
revisão dos conceitos e uma nova análise dos fatos que se sucederam
anteriormente à Revolução de 30 e consequentemente o desenvolver da mesma.
Uma Nova Análise
Até meados
da década de 70, o modelo historiográfico de compreensão da Revolução de 30
(através da análise da República Velha) baseava-se na tese de um embate de
forças entre a Aristocracia Cafeeira, o
setor representante das heranças de um sistema agrário feudal, e a nova Elite
Industrial, representantes do capitalismo imperialista que começava a vigorar
após a Primeira Guerra Mundial, possuindo sua maior representação no estado de
São Paulo. Boris Fausto promove uma revisão de tais modelos, procurando demonstrar
que a Historiografia brasileira defendia até a década de 70 uma visão parcial e
certamente deturpada dos fatos. Em seu livro, o autor demonstra que a dualidade
Latifúndio-burguesia não corresponde exatamente a uma oposição fundamental:
assim, o que assistimos é um rearranjo da política nacional sem o privilégio
significativo desta ou de outra classe, que pudesse tomar para si o rumo
político e econômico do país e comprometesse a influência das demais.
A partir desse argumento, Fausto
também defende que a influência das elites industriais paulistanas era restrita
à época, pois estas não possuíam tamanha força e coesão capaz de promover um
arranjo revolucionário que visasse desbancar a elite agrária. Muito pelo
contrário. Analisemos o que o autor diz a respeito das indústrias na década de
20: “ a indústria se caracteriza nesta
época, pela dependência do setor agrário exportador, pela insignificância dos
ramos básicos, pela baixa capitalização, pelo grau incipiente de concentração[1].” Fausto cita ainda que a agricultura
exportadora era de muita expressão na economia brasileira anteriormente à
Revolução bem como depois, pois mesmo no começo da década de 40 o setor
primário de produção ainda era a base de sobrevivência de 65,1% da população. “
Do ponto de vista da estrutura social, se
abandonarmos a imensa maioria de pequenos empresários, cujas atividades se
assemelhavam muitas vezes às de um simples artesão, o setor que pode ser
definido como burguês industrial, constituía uma faixa restrita do ponto de
vista numérico mas significativo, capaz de expressar na esfera política, seus
interesses específicos, junto aos centros de decisão. Entretanto, seus limites
se revelam no alcance das reivindicações: se executarmos as propostas de
Serzedelo Correia e Amaro Cavalcanti, que aliás, não podem ser considerados
representantes políticos da burguesia industrial, esta não oferece qualquer
programa industrialista, como alternativa a um sistema cujo eixo é constituído
pelos interesses cafeeiros.[2]”
E os militares nessa história? Ao
longo doa anos 20, formou-se uma corrente de caráter mais progressista no
Exército brasileiro, formada por jovens oficiais que visavam, num desejo
nacionalista, resgatar o país da República Velha e das estruturas oligárquicas.
À importância esse movimento, chamado “Tenentismo” , Fausto dará sua
contribuição, afirmando que para cumprir seu objetivo tentou várias alianças.
Uma delas foi nos anos 20, com a pequena-burguesia da época (especialmente no
movimento revolucionário de São Paulo, em 1924), que não vingou, mas trouxe à
tona algumas proximidades de interesses entre as classes, como a defesa do voto
secreto, das liberdades individuais e o nacionalismo difuso. O correto é o
sentido que estas ações tenentistas assumem depois de 30, bem como sua posterior
relação com a burguesia.
Ao mesmo tempo que valoriza o papel
dos militares no processo, Fausto desmistifica a representação das classes
médias na Revolução. Seu surgimento como setor detentor de poder na classe
governamental, em seu alto escalão, é muito posterior a 30. “ No contexto da sociedade Latino Americana,
este momento é uma possibilidade histórica definitivamente liquidada.[3]”
E em nenhum momento de seus argumentos aparece a evidente intenção de apoio aos
revolucionários de 30 por parte da burguesia industrial: o que o autor observa
são manifestos que evidenciam o apoio a chapa formada por Júlio Prestes,
candidato da chapa governista.
A Revolução de 30 não se
caracterizou pela alteração das relações de produção na esfera econômica, nem
mesmo pela substituição imediata de uma classe ou fração de classe na instância
política, porque, para Fausto, estas não se alteraram. O colapso da hegemonia
da elite cafeeira não conduz ao poder político outra classe ou fração de classe
com exclusividade. Neste quadro, a revolução de 30 somente pode ser entendida
com um olhar crítico e histórico sobre a década de 20, na qual o desequilíbrio
que se revela no inconformismo das novas classes médias e sobretudo nas
revoltas tenentistas ficam evidentes.
O golpe da revolução foi tão forte
que até o jogo de forças políticas mudou. Nos anos posteriores à adoção do novo
regime, as classes médias não possuíam autonomia frente aos interesses
tradicionais em geral e nem a elite cafeeira conseguia se reestruturar
politicamente, devido à derrota de 32 em São Paulo e à depressão econômica que
se arrastava por vários anos. Aqueles que controlam o governo já não
representam de modo direto os grupos sociais que exerciam sua hegemonia sobre
alguns setores básicos da economia e sociedade, estabelecendo, desta forma, o
que Fausto declara como um Estado de
Compromisso. Este é especificado da melhor forma possível pela idéia
anteriormente citada, em que a ausência de predomínio entre uma classe e outra
gera uma situação em que o Estado se torna o intermediador destas. A margem do compromisso básico fica a classe
operária, pois o estabelecimento de novas relações com a classe não significa
qualquer concessão política apreciável[4].
Como um todo, Boris Fausto demonstra
que a Revolução de 30 foi o ápice da decadência e fim da hegemonia cafeeira,
mas sem a sua substituição por uma suposta classe média ou industrial. O que
fica claro é que o fim da elite agrária possui seus enlaces na própria forma de inserção do Brasil no
sistema capitalista internacional[5].
O que se observa é uma complementaridade entre os dois setores, mesmo que com
suas respectivas diferenças. Com o vazio que se abre no poder, devido à falta
de coesão das classes médias, sua baixa representatividade e aliado à
decadência da hegemonia cafeeira, o que se observa é a fundamentação deste Estado de Compromisso. Como encerra o
autor, A mudança das relações entre o
poder estatal e a classe operária é a condição do populismo; a perda do comando
político pelo centro dominante, associada à nova forma de Estado, possibilita,
a longo prazo, o desenvolvimento industrial, no marco do compromisso como
sustentáculo de um Estado que ganha a maior autonomia, em relação ao conjunto
da sociedade.
Trata-se de uma obra que mudou a
forma de ver as transformações políticas surgidas no Brasil dos anos 30, e que
nunca perde sua atualidade exatamente por propor um modelo de interpretação
diferente sobre tal fenômeno complexo. É em A
Revolução de 1930 que o peso dos diversos setores sociais será medido pela
primeira vez na formação de um novo sistema de governo, originando um Estado
que, diferentemente da República Velha, vai buscar sua legitimidade nas classe
médias e populares ainda em formação, e não nas oligárquicas. E esta é a grande
descoberta de Boris Fausto em seu pequeno mas importante livro para o
entendimento do Brasil contemporâneo e suas estruturas.
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